As sociedades humanas, ao longo
de sua atribulada história, sempre reservaram lugar de destaque para a definição
de um padrão de beleza, em busca do qual corriam homens e mulheres. Nos dias de
hoje, com o avanço da medicina e da tecnologia, talvez estejamos vivendo o
momento em que a busca da beleza e o culto à aparência tenham atingido o seu
ponto mais alto: são centenas de produtos voltados para o aperfeiçoamento da
forma, milhares de academias de ginástica, um batalhão de cirurgiões plásticos a
postos, dietas, cremes, chás, tudo para fazer com que você se torne uma pessoa
perfeita.
Com base nos fragmentos da
coletânea abaixo, desenvolva um texto dissertativo sobre o tema: O culto à
forma: saúde, vaidade ou escravidão?
1. A mulher ideal é um
quebra-cabeça montado a partir daquilo que as modelos mais famosas do mundo têm
de melhor em seus corpos. É demais: “A altura tem de ficar entre 1,75 e 1,80
metro; os quadris, de 88 a 90 centímetros (os melhores são os de Naomi
Campbell). A personalidade deve ser forte como a de Cindy Crawford; o rosto, bem
proporcionado, como o de Paulina Porizkova (seu sorriso é soberbo). Para o
busto, o ideal é ter as medidas entre 85 a 90 centímetros, com o formato
parecido com o de Stephanie Seymour. Karen Mulder é paradigma de cintura – entre
60 e 65 centímetros. As pernas têm de ser longilíneas, de 1,10 metro, como as de
Nadja Averman, e o nariz, bem definido como o de Cristy Turlington. Ah, o
traseiro! Precisa ser rígido e firme como o de Naomi Campbell”. É um padrão que
assusta. A exigência da perfeição física para as modelos profissionais é apenas
o sintoma mais visível de uma ansiedade que também massacra a mulher e o homem
comuns. Para onde quer que se olhe – televisão, publicidade, revistas femininas
–, a pessoa vê rostos perfeitos e corpos deslumbrantes, magros e nos lugares
certos. Nem na rua a dona de casa pode andar em paz. Do alto dos
outdoors, moças e rapazes impecáveis estão olhando para ela. Pouco a
pouco cria-se um sentimento de insatisfação com o próprio corpo. Quando não é o
cabelo que é ralo demais, é o nariz de batatinha, são as coxas balofas, ou os
seios (pequenos ou grandes como não deveriam ser). Não espanta que 90% das
mulheres e 60% dos homens brasileiros se confessem tão aborrecidos com o rosto
ou o corpo que não hesitariam em recorrer a uma cirurgia
embelezadora.
“A
vitória sobre o espelho” – VEJA
2. Graças a essa filosofia
moderna que preconiza a escravidão à anatomia, a cirurgia plástica vive o seu
boom. Embora algumas mulheres ainda confundam bisturi com varinha de
condão, a maioria já sabe que esse ramo da medicina não faz mágicas e que, para
conservar a beleza, alguns sacrifícios são obrigatórios: dietas, exercícios
físicos, cuidados com a pele, cabelo, etc. E, a favor do batalhão de pessoas –
aí incluídos cada vez mais homens – que optam pela reformulação estética numa
mesa cirúrgica, um fato novo anima e incrementa o mercado: não é mais vergonhoso
confessar que se recorreu ao bisturi para melhorar o corpo. Apenas no mês de
março, nas grandes cidades brasileiras, foram realizadas 30% a mais de cirurgias
plásticas do que em fevereiro e 80% a mais do que no mesmo mês do ano passado.
Segundo Munir Curi, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, a
expectativa é de que sejam feitas 100 mil cirurgias estéticas até o final do ano
no País. “Esse número” – diz Curi – “é 30% maior que o movimento do ano
passado”.
“Escravas de um corpo
perfeito” - ISTOÉ
3. Eles são homens,
mulheres, jovens e adultos. Estudam, trabalham, cuidam da vida. Sexo, idade e
ocupação não importam. O culto ao corpo e a onda politicamente correta da
geração saúde lotam academias. (...) Alguns chegam a desenvolver uma compulsão
tão forte pela atividade física que um dia sem ginástica provoca mal-estar. Os
sintomas são parecidos com uma síndrome de abstinência: irritação,
agressividade, tremores, nervosismo, mau humor. É como um viciado em drogas que
ficou sem sua dose. Esse vício por ginástica ganhou o nome de atividade física
compulsiva. Segundo o psiquiatra Taki Cordás, do Hospital das Clínicas da
Universidade de São Paulo, de 10 a 20% dos alunos de academias têm compulsão por
exercícios. A maioria dos casos está ligada a doenças como anorexia e bulimia.
Anorexia é um distúrbio psíquico que afeta basicamente mulheres. Elas são
magras, mas têm uma imagem distorcida de seu corpo. Acham-se gordas,
desproporcionais. Passam a ter uma verdadeira rejeição por comida. A bulimia,
outro problema psíquico, também atinge principalmente mulheres que têm pavor de
engordar, mas elas têm verdadeira compulsão por doces, massas e outras
guloseimas e chegam a provocar o vômito depois de comer. “A compulsão pela
atividade física é mais aceita socialmente do que anorexia e bulimia. É o
equivalente moderno dessas doenças”, diz Cordás.
Simone Goldbeg.
“Malhação na veia” - ISTOÉ
4. O segundo ponto a
explicar por que a beleza virou obsessão é o medo do envelhecimento, tanto mais
forte quanto mais cresce a expectativa de vida. (...) “Não quero representar o
velho rejeitado. A sociedade brasileira é má, é pérfida. O velho aqui é
rechaçado”, diz o medido paulista Carlos Canova, de 62anos, adepto do tingimento
capilar para disfarçar a idade.(...) “Não faço isso para o meu bem-estar. Apenas
represento um papel”.
“A vitória sobre
o espelho” – VEJA
5. O terceiro motivo de
procura da beleza é que as empresas não hesitam em preterir o feio em benefício
do bonito. (...) Os feios, ou simplesmente fora do padrão, que se acautelem – a
discriminação é pesada, e já surgem até empresas especializadas em procurar
executivos e gerentes competentes e belos. (...) A experiência mostra que, mesmo
inconscientemente, os encarregados de departamento de pessoal não querem saber
de gente com ar envelhecido, desprezam os que aparecem malvestidos e olham
criticamente barriga acentuada e rosto em forma de lua. Aquele penteado à
vontade, do tipo “acabei de sair do banho”, é ponto contra. Falta de maquilagem
– ou excesso de maquilagem – nem pensar. Nada há de inédito nessa teia de
regras. Normas de comportamento, mais ou menos explícitas, existem em todas as
sociedades e até em subgrupos. Experimente a mulher ir a uma reunião do PT de
salto alto e unhas pintadas de vermelho. Ou então tente o homem comparecer a um
encontro de pastores evangélicos com um belo rabo-de-cavalo e uma barbicha
petista. São coisas inaceitáveis nesses dois tabernáculos, porque há regras não
declaradas mas rígidas para o comportamento da comunidade.
“A vitória sobre o
espelho” - VEJA
6. Corrigir um desenho
grotesco do rosto com uma cirurgia plástica ou remoçar dez anos na hora certa
com uma lipoaspiração de meia hora são certamente providências recomendáveis.
Fazer uma dieta balanceada e ativar o corpo na ginástica retarda o
envelhecimento, evita doenças e combate o stress. No seu aspecto positivo, a
criação de um padrão serviu para estimular as pessoas normais a adotar hábitos
muito mais adequados. (...) Se a tirania da beleza, mesmo criando ansiedade,
serve para melhorar os padrões de vida das pessoas, então é mais inteligente
contornar os excessos e aceitar com alegria tudo aquilo que ela traz de
positivo. Os ganhos são óbvios.
“A vitória sobre o
espelho” - VEJA
7. O mestre dos cirurgiões
plásticos brasileiros, Ivo Pitanguy, maior referência na especialidade em todo o
mundo, além de premiar seus pacientes com formas maravilhosas, apazigua suas
almas com uma explicação poética. Ele diz ter aprendido que o ser humano é um só
e sua busca pela beleza é sempre justificada pela procura de identidade com o
seu par. E prescreve o laudo padrão: “O bem-estar de uma pessoa não é apenas a
saúde orgânica. É muito o sentido de conviver em paz e tranquilidade com a sua
imagem”. Dito isso, qualquer forma de escravidão vale a pena.
“Escravas de um
corpo perfeito” - ISTOÉ
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