sexta-feira, 30 de agosto de 2013

POR QUE PERMANECER NA UTOPIA ?

Do rio que tudo arrasta

se diz que é violento,

Mas não diz violentas

As margens que o comprimem

Bertold Brecht
 
 

A todos vocês que pautam seus trabalhos sugando o máximo de poesia de cada aluno que possui, deixo aqui algumas indagações para refletir na busca de uma educação de qualidade pautada nos valores éticos e da cidadania: Será que todos nós pensamos no amanhã ou pautamos somente nas nossas necessidades mesquinhas do individualismo? Construímos, de fato, um “hoje” pautado na essência do ser cidadão/ético e com valor cristão? Motivamos àqueles que não se sentem mais aptos para educar ou ser educado ou contribuímos para a alienação, somente reclamando de tudo? O poema de Bertold Brecht deixa claro o quanto nossas margens nos comprimem, esse sistema de “não educação” que aceitamos sem protestar.

É triste saber que algumas dessas indagações ainda perpetuam sobre o nosso horizonte escolar. Se sabemos que o Brasil está em crise, principalmente, no que diz respeito à educação, por que, então, não fazemos nada e continuamos a ser sujeito dela? Partindo do princípio lógico que a origem e as causas gerais dessa problemática transcendem os limites da educação, pois se encontra na crise do mundo moderno, é necessário, então, que revertamos e modificamos esse quadro tão mesquinho, e que oportuniza, somente, alguns, e mantem um índice elevado de desigualdade social brasileira.

Todavia, o primeiro passo a ser dado é o reconhecimento de que estamos em crise, como cita Hannah Arendt na qual diz a crise na educação também está relacionada à introdução de abordagens educacionais de caráter psicopedagógico, as quais, em vez contribuir para educar os jovens para a responsabilidade pelo mundo e para a ação política, os mantêm numa condição infantilizada que se estende até a idade adulta, trazendo, em consequência, novos problemas políticos.  A autora nos propõe que enxerguemos a crise como momento privilegiado para o exercício da atividade crítica. O caos também deve ser entendido como momento crucial para reflexões críticas a respeito do próprio processo de educacional e de si mesmo enquanto educadores e transformadores.

É na escola que nos libertamos da mesquinharia e da estupidez tão encarcerada de relações egoístas, assim é nela que construímos uma identidade politizada e humanizadora, como nos mostra Paulo Freire com tanta perspicácia em sua obra “Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa”. Se sabemos que o mundo moderno está em crise, por que, então, não mudamos o processo de construção do aluno/leitor/escritor e principalmente crítico do meio em que vive? Por que não investir nas mudanças sociais com leituras, seja de obras, ou de mundo, que de fato faça o aluno refletir e se posicionar diante de sua realidade? Leituras essas pautadas na construção de sujeitos mais éticos, críticos e construtor de significados.

Mudar a forma como o professor constrói o processo de formação dos seus discentes é verificar uma sociedade mais justa e preocupada com suas causas e conflitos da época. Pois as mudanças podem ocorrer, através das leituras (de obras, de si mesmo, de mundo, de exercer seu raciocínio crítico), que transcendem os limites da educação. Então, enxerguemos a crise como momento privilegiado para o exercício da atividade reflexiva e crítica a respeito do próprio processo educacional, é momento de entender como essas “as leituras” se encaixam nessa prolixidade das relações humanísticas, é saber que o processo leitor do aluno é primordial na formação autônoma e cidadã.
             PENSE NISSO QUERIDOS EDUCADORES!

 REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A crise na educação. In: Entre o passado e o futuro. Tradução Mauro W. Barbosa de Almeida. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.

 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 144.

domingo, 3 de março de 2013

VOCÊ NÃO CONSEGUE PARAR DE LER: "A menina que roubava livros" de Markus Susak

 
                    Markus Zusak encontrou um meio de escrever um romance ímpar que retrata com muita lucidez os horrores do período Hitleriano, da própria Segunda Guerra Mundial. Uma jovem durante o período da Alemanha nazista lutando intimamente para defender seus princípios, por não se deixar manipular pelo tétrico ideal de Hitler, ao passo que ela amadurece e aflora para o primeiro amor, um sentimento platônico. Zusak ainda chama a atenção para algo muito importante: o poder das palavras, a influência delas sobre o ser humano; o que elas conseguiam – e ainda hoje o logram - levar as pessoas a crer e a fazer.
                 O livro é uma narrativa da Morte, seu foco é a vida de Liesel e relaciona tudo sobre ela. Organiza-se em dez partes, cada qual com cerca de quarenta páginas, mais o prólogo onde a narradora apresenta a ela mesma e a nossa protagonista, e ainda, um epílogo falando sobre a morte de Liesel e o destino de algumas das personagens secundárias. Posteriormente há uma parte dedicada aos agradecimentos do autor e um trecho falando sobre ele.
 
     Nossa narradora mostra-se muito diferente do juízo que lhe fazemos. Em partes do livro ela busca dialogar com o leitor, mostrando que apesar de não ser humana, tem de certa forma sentimentos. Após apresentar-se, ela explica o porquê de seu interesse em Liesel: “O que, por sua vez, me traz ao assunto de que lhe estou falando [...]. É a história de um desses sobreviventes perpétuos – uma especialista em ser deixada para trás.”. Ao final do livro ela reafirma algo que deixa bem claro durante a história: “Os seres humanos me assombram”...
 
     “A menina que roubava livros” conta a história de uma menina de nome Liesel Meminger que, durante uma viagem de trem com destino a cidade alemã de Molching, ao despertar encontra o seu irmão que viajava a seu lado, morto. No trajeto é feita uma parada para inumar o menino, e, é no cemitério onde nossa protagonista faz o primeiro de seus roubos: um dos coveiros, incauto, deixa cair à neve um livro intitulado “Manual do Coveiro”. Em chegando a cidade de destino, Liesel descobre que seria entregue a uma família adotiva; reluta muito em partir dos braços da mãe consanguínea, mas acaba cedendo. Nossa protagonista passa a viver com Hans e Rosa Hubermann, sua nova parentela. A partir de então, Liesel ao decorrer da história, recebe letramento, faz amizades e, passa a roubar livros da biblioteca da mulher do prefeito, Ilsa Hermann (com certo consentimento da proprietária). Ao lado de seu amigo Rudy, ela constrói uma amizade solidária e uma cumplicidade nos furtos, além de um amor castiço e terno...
 
        Esta obra literária, devo admitir, aprazou a este que vos escreve. A ideia de Markus Zusak ao grafar um romance cujo cenário é a Alemanha nazista, retratando os horrores desse período, é deveras interessante. Uma jovem menina que vê (assim qual uma minoria de outras pessoas alemãs) um absurdo nos ideais de Hitler, mas, por coação, mantém a aparência de nazista, muito embora, durante parte da história os Hubermann e Liesel abriguem secretamente um judeu em seu porão.
 
           O livro mostra o caos que foi a Alemanha nesse período: íncolas alemães passando fome com o racionamento de víveres, o temor de ser considerado um traidor ou mesmo de ser alvo de desconfianças por parte dos membros do partido nazista, a coerção para que todos se alistassem a essa facção e, a perseguição aos que se negavam. O fanatismo de maioria dos alemães, o nacionalismo exagerado, a arrogância... A perseguição aos judeus e a quem não fosse etnicamente alemão. O sofrimento das famílias – não só judias, mas inclusive alemãs como também russas e outras tantas - que perdiam seus parentes nas batalhas; das mães que perderam seus filhos ainda pequenos por conta dos bombardeios; pessoas que foram mutiladas pelo conflito... Atrocidades tamanhas que expõem o lado mãos sombrio, perverso e dantesco da natureza humana, capaz de apavorar até mesmo a singular narradora (“os seres humanos me assombram”).
 
           A estruturação desse livro é um pouco diferente do que as dos títulos que já li. A princípio foi curioso, até mesmo um pouco “estranho”, mas no decorrer do livro torna-se conveniente e agradável. Esta obra possui sem dúvida valor pedagógico; como sempre indigitando o mérito da Literatura qual instrumento de granjear conhecimentos vários. Trata-se de um texto mais indicado, talvez, aos alunos a partir do Ensino Médio, dada a qualidade do escrito.

              Markus Frank Zusak nasceu em Sydney em 23 de junho de 1975, é famoso pelo seu Best-seller internacional “A menina que roubava livros”, também é autor de “Fighting Ruben Wolf”, “Getting the Girl”, “Eu sou o mensageiro”, dentre outros, todos recebidos com críticas resplandecentes às revistas Publishers Weekly, School Library Journal, KLIATT, The Bulletin e Booklist. Recebeu o Prêmio Livro do Ano para Leitores Mais Velhos, concedido pelo Conselho Australiano de Livros Infantis.

domingo, 23 de setembro de 2012

LIVRO: O PRÍNCIPE - NICOLAU MAQUIAVEL

Toda ação é designada em termos do fim que se procura atingir.
O Príncipe é dirigido a um príncipe que esteja governando um Estado, e o aconselha sobre como manter seu governo da forma mais eficiente possível. Essa eficiência é a ciência política de Maquiavel.
Começa descrevendo os diferentes tipos de Estado e como cada tipo afeta a forma de governo do príncipe. Também ensina como um príncipe pode conquistar um Estado e manter o domínio sobre ele. Ex: Principados hereditários, por já estarem afeiçoados a família do príncipe é mais fácil de mantê-los.
O difícil é manter os principados novos que na verdade não são novos, e sim mistos por terem sido incorporados a um Estado hereditário.
Consideram-se inimigos do príncipe todas as pessoas que se sentiram ofendidas com a ocupação do principado.
Maquiavel apresenta os problemas e as dificuldades, e isso tudo é demonstrado de uma forma que parece não haver solução. Porém, logo em seguida ele apresenta não só a solução para os problemas como também conselhos, os quais o governante deve seguir se quiser ser bem sucedido.
Se um príncipe anexa um Estado a outro mais antigo, e sendo este da mesma província e da mesma língua, ele será facilmente conquistado. Porém, para mantê-lo deve-se extinguir o sangue do antigo governante e não alterar as leis nem os impostos. Agindo dessa forma, em pouco tempo está feita a união ao antigo Estado.
Também numa província diferente por línguas, costumes e leis, faça-se o príncipe de chefe e defensor dos mais fracos, e trate de enfraquecer os poderosos da própria província, e de salvaguardar-se para que não entre um estrangeiro tão poderoso quanto ele.
Maquiavel afirma que quando se utiliza as colônias, os únicos prejudicados serão aqueles que perderem suas terras, mas estes sendo minoria não poderão prejudicar o príncipe, ou seja, o meio utilizado para se fazer as colônias pode até não ser o mais correto, mas se o fim for bom, o meio foi justificado.
Um outro ponto interessante é quando o autor diz que o príncipe deve se fazer defensor dos mais fracos. O que na verdade ocorre hoje em dia, pois muitos políticos se utilizam dessa tática para conquistar a confiança do povo e conseguir mais votos.
Outro detalhe muito importante que pode ser percebido no decorrer de toda obra são os exemplos históricos. Maquiavel fundamenta toda a sua teoria na história dos grandes homens e dos grandes feitos do passado, afirma que um príncipe deve seguir os passos desses homens poderosos, que alguma coisa sempre se aproveita.
O aspecto marcante de sua obra é quando são tratados os meios de se tornar príncipe, que podem ser dois: pelo valor ou pela fortuna. Entretanto ele adverte que aqueles que se tornaram príncipes pela fortuna tem muita dificuldade para se manter no poder. Porém, a fortuna e o valor não são as únicas formas de se tornar príncipe. Existem outras duas: pela maldade e por mercê do favor de seus conterrâneos.
É melhor ser amado ou temido?
A resposta de Maquiavel é que o melhor é ser as duas coisas, mas como é difícil reunir ao mesmo tempo essas duas qualidades, é muito melhor ser temido do que amado, quando se tenha que falhar numa das duas.
Há na obra um esboço de sugestão de que o novo príncipe terá chegado ao poder, devido a uma conjugação do destino com o próprio valor e de que, para conservar o controle, ele será obrigado a agir com grande sutileza e mesmo com astúcia e crueldade.
No capítulo inicial de O Príncipe, Maquiavel postula haver duas principais vias pelas quais se adquire um principado: pelo exercício da virtú ou pelo dom da fortuna. Algumas figuras maquiavélicas Moisés, Ciro e Rômulo "criaram grandes e duradouras instituições", devido à virtú. Já a decadência de Cesare Borgia foi decorrente da fortuna que o abandonou.
Por intermédio de uma história comparada, Maquiavel conclui que apenas por meio da virtú um príncipe pode vencer a instabilidade da fortuna e assim conservar seu estado.
A um príncipe pouco devem importar as considerações se é amado pelo povo, mas, quando este é seu inimigo e o odeia, deve temer tudo e a todos.

LIVRO: Ensaio sobre a cegueira - José Saramago

“Um motorista, parado no sinal, subitamente se descobre cego. É o primeiro caso de uma ‘treva branca’ que logo se espalha incontrolavelmente. Resguardados em quarentena, os cegos vão se descobrir reduzidos à essência humana, numa verdadeira viagem às trevas”.

O que você faria se subtamente se descobrisse cego? E se isso acontecesse no meio da rua, entre dezenas e dezenas de pessoas desconhecidas ...
passando ao seu redor e sem que você tivesse uma plena consciência das ruas, dos automóveis, das calçadas ou de qualquer obstáculo que poderia aparecer ao longo do seu caminho? E o pior de tudo é imaginar que tudo teria acontecido sem mais nem menos, ou seja, sem que qualquer sintoma anterior tivesse lhe alertado da possibilidade da cegueira...

Essa é a premissa inicial de um livro que se intitula ensaio, que é sem dúvida um grande romance e que tem toda uma aparência de fábula moderna. Não apenas um conto do qual extraímos lições, a partir do qual, também se estabelece uma moral, mas uma história que nos deixa aturdidos diante do rumo tomado na vida das personagens ao longo da qual a trama se desenrola.

O mais interessante é que não há nomes. Nenhum dos protagonistas é identificado como sendo João, Maria, José, Pedro, Ana ou qualquer nome regularmente utilizado em países de Língua Portuguesa. Cada um desses homens e mulheres que encabeçam a história são chamados, peculiarmente, a partir de sua ocupação, do parentesco em relação a outra personagem da história ou ainda a partir de alcunhas relacionadas aos atos por eles praticados ao longo dos capítulos.
"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso”, disse o escritor José Saramago, por ocasião da apresentação pública do livro "Ensaio sobre a cegueira".
Sem qualquer tipo de expectativa quanto ao futuro, a maioria dos ceguetas passa o dia deitado nas camas e colchões disponíveis para suas acomodações. Sem qualquer tipo de prática na vida de cego, as pessoas encarceradas nessa prisão provisória da claridade excessiva e dos muros dos locais onde passaram a viver não conseguem se deslocar com agilidade de um lado para outro, deixam de urinar ou defecar nos locais apropriados, tornam o ar ao seu redor totalmente putrefato, não tomam banho regularmente, deixam de lavar as mãos ou de se barbear...

Passa a imperar entre eles uma vida totalmente desregrada, de muita sujeira, onde os mais fortes passam a impor sua voz, onde a razão, a lógica, a sensibilidade e a noção de direitos foi totalmente implodida em favor da sobrevivência.

Homens e mulheres abrem mão de conquistas que foram almejadas pela humanidade ao longo de séculos. Ninguém se atreve a contestar a lei da selva que se estabelece. Os poucos que ousam levantar sua voz são silenciados com brutalidade, seja pelos que vivem fora dos limites desse mundo ou ainda por aqueles que entram nesse mundo armados de ferramentas que os colocam em vantagem nas disputas ali travadas.

 Chegamos ao limiar da insanidade e próximos do limbo quando o autoritarismo se impõe como forma de governo dentro do manicômio. Instala-se não somente a ditadura dos mais fortes, mas também a ordem passa a parecer muito próxima a do próprio local onde estão muitas dessas pessoas estão cada vez mais dentro do universo da loucura, estabelecidos com os cegos num verdadeiro hospício. Vale a pena ler, pois há uma relação intrínseca com a nossa vivência em sociedade.